Foi lançada na ExpoCatadores, em São Paulo, a plataforma “Reciclar do Bem”, a primeira ferramenta de crédito de carbono do mercado voluntário exclusiva para cooperativas de catadores de materiais recicláveis. A iniciativa visa a democratizar o acesso a esse mercado e garantir preço justo pelo serviço ambiental prestado.
A ferramenta estreia impulsionada pelo projeto piloto “Reciclarbono”, que foi elaborado no âmbito do “Projeto Valoriza” do Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS), com apoio do Ministério Público do Trabalho (MPT/MS), Pragma e Central de Custódia. O protagonismo do MPMS permitiu estruturar o modelo, que agora serve de base para o sistema nacional.
Inicialmente, o piloto desenvolvido pelo Ministério Público contempla 10 cooperativas de Mato Grosso do Sul. O levantamento aponta que o trabalho realizado por essas unidades, sob a diretriz do projeto, já reduziu a emissão de mais de 16 mil toneladas de carbono, o que pode gerar mais de R$ 1 milhão em créditos para os trabalhadores.
Protagonismo e rastreabilidade
A nova plataforma irá utilizar os dados do Sistema de Logística Reversa de Mato Grosso do Sul (Sisrev), sistema brasileiro pioneiro de rastreamento de materiais recicláveis, para lastrear os créditos. Isso permite identificar toda a cadeia, desde o catador individual na rua, passando pelas cooperativas e atacadistas, até a indústria da reciclagem.
O Promotor de Justiça Luciano Furtado Loubet, Coordenador do Núcleo Ambiental do MPMS e Presidente da Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa), ressalta que a iniciativa concretiza a política de multiplicidade de renda defendida pela instituição.
“Esta possibilidade de venda de crédito de carbono vem na linha do que temos defendido em Nota Técnica: a multiplicidade de renda das cooperativas, somando contratação, venda do material, créditos de logística reversa, prestação de serviços e, agora, os créditos de carbono. O uso de dados do Sisrev nos dá tranquilidade, pois são auditados por Entidades Gestoras, verificados de forma independente e fiscalizados pelo Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul”, explica Luciano.
Para os catadores, a plataforma representa uma valorização tangível. Dirigente de uma das cooperativas beneficiadas pelo projeto no MS, Daniel Avelar destaca o impacto financeiro direto. “A gente nunca imaginou que, do nosso trabalho de coletar e separar o que as pessoas chamam de “lixo”, além de gerar dinheiro com a venda do material, com a logística reversa, também iria poder receber uma renda extra com crédito de carbono. Estamos animados porque muitos materiais têm um valor muito baixo”, afirma Daniel.
Ele exemplifica com as embalagens multicamadas cartonadas de longa vida, que preservam produtos como leite, sucos e chás. “Na tonelada, ganhamos R$ 85,00 com a venda do material e R$ 95,00 com logística reversa. Agora, se tudo der certo, podemos ganhar mais de R$ 92,00 com o carbono que ajudamos a retirar do planeta”. A Associação Nacional dos Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis (Ancat) acompanhará o processo para garantir a justiça nos valores de venda.
Segundo a presidente do Instituto Brasileiro de Pesquisa Aplicada em Resíduos e Clima (Ibraparc), Maira Portugal, o levantamento das emissões evitadas seguiu rigorosos padrões internacionais reconhecidos pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCC), com adaptações à realidade brasileira feitas com apoio da Fundação Avina e do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. “Além de facilitar os levantamentos, com roteiros, planilhas e embasamento científico, nos dá segurança em afirmar que estes gases efetivamente foram capturados”, pontua.
A presidenta destaca ainda a segurança de trabalhar com uma certificadora nacional que segue todos os parâmetros internacionais. “Ela possui um padrão de créditos de carbono com credibilidade já reconhecido em âmbito nacional, que já comercializou créditos com muitas empresas nacionais e multinacionais, dá mais garantia de credibilidade”.
O Promotor de Justiça Luciano Furtado Loubet reforça que o MPMS e a Abrampa acompanharão a construção da plataforma para garantir salvaguardas sociais. “É preciso cuidar para que esse dinheiro realmente chegue nas mãos do catador, evitando o que ocorre em alguns sistemas de logística reversa que buscam apenas o menor preço”, alerta Loubet.
A iniciativa conta com o apoio da Rede de Cooperativas de Catadores do MS, da Ancat, da Fundación Avina, da Asociación Nacional de Recicladores de Base de Chile (Anarch), da Carbonfair e do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima.
Texto: Maurício Aguiar
Foto: Divulgação
Revisão: Fabrício Judson

